Cidades
Apanhei um táxi por necessidade. Estava atrasado. Depois de comprar o jornal, enfiei-me logo no primeiro da fila. O táxi tresandava a suor. Disse-lhe: "era para a rua do Cruzeiro!" Resposta: "Era? Já não é?" Típico, pensei. Bem-disposto, lá foi alegrando a matinal converseta com lugares-comuns, banalidades e outros raios da sua sabedoria. Eu, sabendo que a viagem iria ser curta (e estando bem-disposto, coisa rara nos últimos 2 dias), alinhei no jogo. Fomos na palheta, até que o senhor se sai com esta: "sabe quantas verdades existem no mundo?" Tantas, pensei, que não faço ideia. "4", responde ele. "Existe a sua, a minha e a do outro". Fez uma pausa. Esperei que concluísse a sua exposição. Vendo que o homem não se desbroncava, lá perguntei... "Então e a 4 verdade?" "Calma", respondeu. "A quarta é A VERDADE!" Fiquei calado a pensar que até podiam ser duas verdades e meia, se a opinião de cada um contasse apenas metade. Entretanto, o fogarense passou a explicar. "Eu tenho a minha verdade, o senhor tem a sua, o outro tem a dele. Depois existe A VERDADE!" "É verdade!", respondi. Chegámos. Simpática maneira de começar o dia, não é verdade? Final do dia. Chegou ao comboio, já careca, meia-idade. Colocou-se no meio da carruagem. Coloquei outro cd no disquemén. Ele ia fazê-lo pelo esportinguê. Despiu-se totalmente, excepção feita aos calções e às sapatilhas. Começou por fazer vinte flexões de braços, enquanto insultava o Benfica e o Porto. Vangloriava-se de ter já privado com o Sá Pinto e de ser conhecido em Sintra. Fez mais umas flexões de pernas enquanto se gabava do físico ostentado. Cumprimentava as pessoas e continuava a insultar os rivais clubísticos. Descobri depois que se exibia para um conhecido que vestia uma suéter leonina, autografada. Algumas pessoas riam. A maioria das pessoas ignorava a cena. O seu rosto era vermelho, do esforço e do orgulho. Entretanto, o comboio parte. Chegados a Santos, já vestido - sob o olhar atento de dois polícias - tentou cravar o jornal ao conhecido (que afinal não o era!) e despediu-se de todos dizendo "agora vou para a Kapital!" Estavam 10 graus lá fora. A carruagem ficou a tresandar a suor. Na verdade, não percebi... |