Viagem
muita coisa estranha, quase mágica, pelo caminho...
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e uma luz...sempre uma luz...
muita coisa estranha, quase mágica, pelo caminho...
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e uma luz...sempre uma luz...

Tinha pensado em milhares de coisas durante aquele tempo de preparação da viagem. Em tudo menos na própria viagem. E isso não era nada normal com este homem. Baralhado com estas novas estranhas sensações que o acometiam, a espaços cada vez mais regulares e cada vez mais intensos, quase não se preocupara com o planeamento das malas, com o seu ordenamento na bagageira, com a música a colocar no leitor, com o número de iogurtes, bebidas e comidas para a viagem, com sacos para enjôo... tudo isso estava enublado pelas imagens fraccionadas dos seus sonhos. Nunca havia sonhado antes. Pelo menos não com tanta frequência.
A última mala entrara, finalmente, no carro. Conseguiram sair da cidade com relativa facilidade. Apercebeu-se que os persistentes pensamentos permaneciam na sua mente. Como uma tatuagem. Como se alguém tivesse aberto uma porta no seu subconsciente. Uma porta que nunca suspeitara existir.
Carregou no acelerador, como se nunca tivesse feito outra coisa na vida. Pela primeira vez, desejava a sensação de vertigem, de risco, de competição desenfreada com os outros. Os filhos e a mulher já não cantavam o Malhão. Ou qualquer outra canção infantil. Estavam de olhos esbugalhados, observando o ziguezaguear frenético por entre os carros, as buzinadelas, os insultos. Os putos sentiam-se excitados! Então era este o pai que não conheciam. Afinal de contas, estas férias prometiam.
Ao seu lado, a mulher sussurou
"-Querido, estás bem? Queres que conduza?"
Olhou para ela com um esgar Jack Nicholsoniano
"-Estou óptimo!"
O ponteiro indicava agora 200 quilómetros à hora.
(cont.)